8 de maio de 2007

Inhame Novo


Não é nada fácil achar um lugar onde todos os prédios têm o mesmo número: 13. Mas ele sabia exatamente onde seus passos iam dar. Só quem conhecia bem a vizinhança não precisava dividir o olhar entre o destino e as oferendas do caminho. Depois que todo bairro foi redesenhado, os quarteirões diminuíram e as esquinas aumentaram para receber mais pratos de barro, farofa e galinha preta. Tudo sempre mal iluminado por velas coloridas de tamanhos que variavam de acordo com o pedido e geralmente amarradas com fitas também coloridas. Nós atados tão fortes quanto a fé.

As cores são as primeiras pistas para entender o resultado que o trabalho precisa atingir. Ninguém até hoje deve ter parado pra contar, mas as velas vermelhas são as prováveis líderes do ranking de vendas e isso só pode querer dizer uma coisa: vai ter gente mal amada assim no inferno. O fato é que o uso das cores deve dar certo para orientar as filas lá em cima, igual guia de boleto. Eu acredito, sabia? Afinal, não conheço um único caso de santo daltônico no mundo. Em alguns casos a confusão celestial pode até acontecer, mas por outro motivo: uma bela garrafa de pinga cheia até o gargalo. Aqui, todos os goles são pro santo.

Melhor dizendo: os goles, as lojas especializadas em pinga e todo resto. Tudo começou na praça da matriz, lugar onde foi construído o primeiro terreiro. Mãe Molequinha do Patuá, sua fundadora, se transformou logo no nome da avenida principal depois que foi encontrar com o preto velho lá pelas bandas de Iansã. Há quem diga que ela já havia tentado fazer um projeto habitacional parecido em mais dois lugares do Rio de Janeiro, mas não deram muito certo. Do sonho sobraram apenas os nomes da Praia da Macumba e de uma cidade litorânea conhecida como Búzios.

Mas o santo dela fazia musculação - sem faltar na academia - e aí estão todas essas ruas e calçadas para recepcionar e proteger seus filhos, como eram chamados todos que resolveram morar por aqui. E não pense você que é coisa barata arrumar um canto no bairro. O pessoal confecciona suas guias com pedras preciosas e costumam acender seus charutos com dólar. O pai desse rapaz era um desses bem de vida e fez questão de acender um autêntico La Flor de Isabela quando ele nasceu. Um mimo dado por Jorge Amado com a recomendação de ser apreciado no momento oportuno.

Sua geração foi uma das primeiras a nascer aqui e ser criada de acordo com as crenças dos ilês. Lembro de ter visto sua apresentação na escolinha, vestido com uma roupa de palha que cobria da cabeça aos pés representando um orixá. No final, o menino virou orixá com um galo na cabeça. Normal, pois não era comum enxergar direito com aquilo e o galo tratou de voltar pro lugar com aquela simpatia de reza e faca esquentada na boca do fogão.

De lá pra cá, o rapaz virou homem, casou, mas continuou sendo apenas um erê para os que o viram crescer. Nunca teve lá muitos problemas na vida por ter cabeça feita e uma forte proteção de Xangô, mas seu corpo não era fechado como se pensava. A porta do peito ficara propositalmente encostada e ela entrou. Moça bonita. Cortava o próprio cabelo para que ninguém ousasse colocar a mão em seu Ori. Apesar de toda sentinela, ele passou a morar na sua cabeça.

Relação intensa. Dezenas de velas vermelhas acesas, espalhadas pelo quarto, e o poder dessa cor você já conhece de parágrafos anteriores. Mas não é sempre que o santo bate assim, de primeira. As primeiras discussões não tardaram a acontecer.

- Não quero...

- Você não tem...

- Não gosto...

- Você é...

- Não é assim...

- Quer saber?...

- Não aceito...

- Muito menos eu...

- Nunca poderia imaginar...

Muitos imaginaram e profetizaram. Estava próximo o dia em que os atabaques iam cantar e a pomba-gira iria baixar forte no rapaz, fazendo com que ele rodasse e rodopiasse a baiana. É, aí danou-se.

- Chega. – Saiu com a roupa do corpo e a guia no pescoço.

Ele foi, mas agora seus passos refaziam o mesmo caminho pisando com a suavidade de um espírito que é íntimo de seu caboclo. Conhecia cada beco com a palma de uma mão que já dizia bastante coisa em quase um terço de sua linha da vida, um pequeno córrego formado pelo suor da ansiedade. Chegou em frente à porta. Rua Oxossi Guerreiro, 13/13F. Respirou fundo. Tentou se perguntar por que estava fazendo aquilo, mas a porta abriu antes de receber a resposta. Ela sorriu como já soubesse: ali estava sua pessoa amada em três dias.


15 comentários:

MH disse...

é, nada como uma boa amarração nesses casos. E um despacho pra colocar um ponto final bem dado...

Fabi disse...

Oba, vou poder ler vc novamente. Tava com saudades.

Gastón disse...

Belo recomeço heim my friend? E agora num lugar decente porque aquele fotolog é pra lá de feio e atrapalhado.

Todo mundo pra baixo do chuveiro!

Rodolfo Barreto disse...

Antes de mais nada, deixa eu abrir a porta: sejam bem-vindos ao open home :)

Bacana ver que o primeiro post tem a expressão "ponto final". Mh, vou estudar por que isso pode ter alguma relação cósmica.

Fabi,
Estreamos essa nova fase praticamente juntos. Bora cantar pra subir.

Viu só? Segui seus conselhos, mas eu ainda não desisti do meu caption abaixo da foto no fotolog. Sou um sujeito apegado. Valeu, rapá. :)

Anônimo disse...

axé!!

Unknown disse...

p.s. essa foto tá chique, hein?!

MH disse...

num intendi a relação cósmica, mas tá divertido aqui embaixo do chuveiro...

Anônimo disse...

open soap, baby... gostei. beijo, e.

Anônimo disse...

Axé, histéryca! :)
Gostou da foto? É uma boa alma.

@MH
Hahaha
Abre mais essa água quente e me passa aquele shampoo.

E.!!
Cacete, você por aqui!
(ok, vou lavar minha boa com sabão)

Ana Téjo disse...

Quero saber se além de trazer a pessoa amada em três dias, o pagamento rola só após resultado. Aqui, em São Paulo, é assim.

Unknown disse...

puxa, se for esquema "pagar pra ver", eu quero o telefone do milagreiro!

Anônimo disse...

Pai Nonon de Barreto faz milagre :)
Dia 13, aas 13h13...

A Lu me ligou hoje, many thanks.

Kaser passa por aqui semana que vem. Me lembra um dia no baixo Belmonte, bolinho de bacalhau e Confrarias do Copo Furado e Coracoes Roubados.

Bela estreia.

Anônimo disse...

Téjo!
Hahahaha, muito bom.
Rola sim. É igual pizza: se atrasar você não paga.

@Anna O.
Aí o guichê é outro. Conhece São Tomé?

@heil :)
Tempos que não voltam mais. Nem com reza braba. Manda um beijo pra Lu e um abraço grande pro Kaser.

Beto Muniz disse...

Maravilha! Esse é um blog que vai acrescentar qualidades na literatura virtual.

Tem muita gente escrevendo na internet, mas gente boa de letras ainda é raro. Rodolfo é dos bons!

Abraço e sucesso!

Anônimo disse...

Betão!
Obrigado, cara.
Vindo de você, isso é um elogio gigante :)