18 de maio de 2008

êcoV


Esses pedaços de vidro que ganham o nobre dom de refletir possuem a crueldade de simplesmente mostrar sem nada dizer, apontando defeitos da forma mais blasé possível.

- Quem é você? Hein? Apesar de ter moldura, está longe de ser uma obra de arte – e respondeu da mesma forma telepática, sem balbuciar uma vogal.

Seu desejo era quebrar o espelho, mas pensou em todos os anos de azar que viria somar-se aos que já haviam sob seus ombros.

- Eu já ando bem pesada com meus ganhos materiais.

Os seres humanos crescem como árvores: ao longo dos anos, a idade passa a ser proporcional ao diâmetro do tronco. Ela queria ser uma roseira e casar com o cravo. Colocaria seu vestido amarelo para o civil, o branco para a igreja e uma lingerie vermelha colombiana para as núpcias.

- Será que não existe mais homem sensível nesse mundo? Será que o último inventado foi Chico Buarque? Será? A merda do Chico é que ele entende tudo de mim, mas poderia me ouvir ao invés de só cantar.

O peso é excludente.

- Desculpe, senhorita, mas aqui você não entra. Tente outro jeans.
- Como não? Esse jeans é meu. Entrei aí durante décadas.
- Entendo, senhorita. Você pode tentar entrar sem problemas, mas o convite não é extensivo a acompanhantes. Essas gordurinhas vão ter que ficar do lado de fora.

Ela não se surpreendia mais com esse tipo de tratamento. Achava até uma coisa normal. No começo, eram apenas elogios. Sorriam um para o outro, entre giros de lá pra cá.

- Sinceramente? Se espelho fosse um objeto sensível, não seria masculino. Seu merda.

Colocou um vestido preto com a ilusão de que emagrece. Abriu a caixa redonda e retirou um chapéu pontudo. Pegou uma cesta, encheu de maçãs e saiu. Os mais belos reflexos estão com os dias contados.




Esta foto linda é da talentosa Anna Luiza Fischer.
Dêem uma olhada em todas aqui.

9 comentários:

ANNA disse...

Só 2 letras diferem vaidade da verdade e o espelho fica no meio do caminho...

Se o Chico pudesse me ouvir foi ótima!

Beijos!

MH disse...

poxa vida..nunca mais voltei por aqui porque achei que ce tinha abandonado. Bom saber que voce voltou (ei parabens pelo teu livro...li num dia so...show de bola)

Anônimo disse...

beijo de paris! abandonando jeans apertado por vestidos pretinhos que combinam com a primavera daqui :P

Cláudia disse...

me identifiquei com a parte do texto que menciona as gordurinhas sendo barradas na entrada da calça jeans.
beijo

Anônimo disse...

Você é fantástico, céus. Sou apaixonada pelos teus textos, pena que você posta tão pouco.

Adorei a parte do Chico Buarque e a que as gordurinhas não entram. Muito bom mesmo. Continue assim.. x)

Luiza Rudge Zanoni disse...

Adorei a traição de Macy que você comentou no meu blog. Adorei tomar banho aqui!

Beijo, Violet.

Luiza Rudge Zanoni disse...

Ainda no banho, adianto que adicionei um chuveiro na minha Estação, tá?

Beijo.

Luiza Rudge Zanoni disse...

Comida de micro-ondas tem passado longe, meu caro. Nem Couple Noodles eu esquento lá mais. Beijo.

Rodolfo Barreto disse...

@anna
Comentário inteligentíssimo. Nível 5 pontos na escala Chico.

@mh
Obrigado por voltar, obrigado por ler o livro e obrigado por ajudar na vaquinha para pagar meu resgate. Estava escuro no meu cativeiro.

@sharon
Paris já trocou a pilha daquele ferro-velho? ;)

@claudia
Essas gorduras não valem nada mesmo. Não sei porque insistem.

@Olivia
Obrigado! Você não sabe a alegria que dá quando o pessoal que vem aqui e não tem blog faz qualquer tipo de comentário. Mas não precisa só elogiar. Pode pixar a vontade...rs

@Violet
Oi! Volte sempre para o chuveiro.
Bj.