10 de maio de 2007

Cochilo


A profissão de detetive particular não tem horário comercial. Agora são 11 e 45 da noite e estou aqui, atrás dessa samambaia esperando o sujeito aparecer. Esse sujeito tem nome, sei sua alcunha, mas não posso dizer por questões de sigilo. Shhh… silêncio, estômago… que fome. Ele bem que poderia estar jantando em um restaurante. Assim eu ficaria na mesa do lado, consultando o cardápio durante horas para não ser notado. Da última vez que fiz isso, passei por dois vexames:

- Algum problema, senhor? – perguntou o garçom como quem diz “você tem 7.3 de astigmatismo ou é analfabeto?”

Vexame 2: o restaurante era caro demais. Tive que criar uma cláusula de contrato onde pago e peço reembolso depois. No caso de homens adúlteros, já teve caso da mulher olhar pra conta e ainda fazer comentários sobre o quanto o canalha estava gastando com a sirigaita e desandou a falar. E aí você entende porque ele estava gastando aquela nota preta com outra. Mulheres.

Isso me lembrou o dia que estava em missão quando meu celular tocou. Quer dizer, vibrou. Celular de detetive não toca nunca. Era minha mulher.

- O que você está fazendo?
- Trabalhando, Rita.
- Isso são horas? E porque você tá falando baixo?
- Eu estou em cima de um lustre, Rita. Se eu falar alto, todo mundo vai olhar pra cima.

Já reparou que em conversas agitadas de casal tem sempre um que fala o nome da outra pessoa a cada frase? Geralmente é quem está sem saco de discutir pela quinta vez a mesma coisa. Era meu caso. Ela nunca entendeu meu ofício e chegou a dizer que não era possível, que eu tinha outra. Em um desses serões noite afora, estava numa festa e resolvi fazer uma boquinha na mesa de frutas. Peguei um pêssego e vi um olho atrás dele.

- Camargo! O que você tá fazendo aqui!?
- Sua mulher me contratou para saber o que você tá fazendo.

E o que eu ia dizer nessa hora?

- Ok, Camargo. Já viu que eu não tô fazendo nada. Agora deixa eu continuar trabalhando.
- Tá. – e foi embora disfarçado de abacaxi.

Camargo tá certo, coitado. Ele tinha que trabalhar e ainda foi ético. No dia seguinte, ficou meio sem graça e nem teve coragem de olhar na minha cara quando nos encontramos lá na aula de Yoga. A aula é ótima para quem deseja ficar em posições durante horas. Agora, por exemplo, estou atrás dessa samambaia há tempos na posição pernilongo-na-planta-carnívora. Não dá câimbra nem nada. Maravilha de Yoga.

Pra falar a verdade, eu nem sei porque estou atrás dessa planta. O sujeito é sonâmbulo. Bom, pelo menos foi o que disse a mulher dele. Acordava no meio da noite e cadê o marido? Saía por aí e só voltava quase de manhã. Até aí vai lá. O problema foi quando ele passou a chegar com marca de batom na camisa. E como ela ia esfregar aquilo na cara dele? O sujeito estava dormindo, não tinha culpa.

Se bem que eu nunca vi ninguém beijando de olho aberto. Mas também não ia dizer isso para a coitada. Deixa pra lá.

O cara era profissional e não tinha nem essa de ficar andando de braços estendidos, igual sonâmbulo amador. Nunca tinha visto ninguém dormir na direção e não acordar em um poste. Ele não só dirigia, como fazia baliza melhor que a minha mulher.

Pronto, foi só falar nela que o celular toca. Não vou atender, foda-se. Manda o Camargo vir atrás de mim.

Opa, lá vem o sujeito. Estacionou o carro, abriu a porta sem encostar no do lado, deu a volta pela lateral, pulou um cachorro que vinha no sentido oposto, desviou de uma linha de pipa com cerol, rolou por cima do capô para desviar de um motoboy, caiu pro outro lado, abriu a porta para uma loira, sorriu, ela entrou no carro, desviou de um cocô que o mesmo cachorro anterior havia deixado e seu dono porco não limpou, esperou mais três motoboys passarem na frente do carro, abriu a porta do motorista, entrou, ajeitou o espelho (pra quê?), sorriu novamente para a loira, saiu com o carro e – depois de fazer a melhor volta do circuito de Nonstop Place – parou num motel. Sua esposa está certa: o filho-da-mãe tá dormindo com outra.

5 comentários:

MH disse...

ah, coitado, ele é sonâmbulo, não tem culpa de nada...

Gastón disse...

Se alguém me encontrar por aí com mulher feia qualquer dia desses, me acorda que também sou sonâmbulo.

Unknown disse...

se eu fosse a mulher dele, virava sonâmbula também rapidinho. humpf.

Anônimo disse...

@Mh
O cara dorme pra se fingir de morto.

É, Gasta. Não pode dormir no ponto do bonde errado.

@anna o.
Mais de um sônambulo na rua não dá: vira clipe do Michael Jackson.

Anônimo disse...

Esse eu ja conhecia!!!!

Ta querendo enganar quem?!
Eu vou eh colocar um detetive atras de ti, pra ver se vc tem escrito contos novos mesmo....

hahahahhaa