16 de junho de 2010

O outro lado


Meus olhos embaçados não conseguiam enxergar nada além do vazio. A culpa não era da primeira luz do dia, aquela que se esconde da pálpebra e salta na frente da vista como forma sádica de dar bom dia. Não era. Olhando daqui, não dava para ver mais nada do outro lado. Tudo era branco como um lago congelado. Distante. Parecia terminar em um grande abismo, como aqueles mapas antigos do início das navegações.

Meus olhos marejaram e nenhuma mão foi consolá-los, nem mesmo as minhas próprias. Lembro quando a preguiça fazia meus braços esticarem até ultrapassar a invísivel linha entre o bocejo e o sorriso. A boca ganhava o café das mãos de outro por prazer e não como única opção de vida.

Espremo os olhos e o coração aperta. Para o travesseiro, tanto faz a lágrima de uma alma insône ou a baba de um corpo adormecido. Eu não resistia uma noite inteira de olhos fechados, sem ao menos bisbilhotar o outro lado por cima do muro de travesseiros. Hoje, o que se vê é um objeto cansado de segurar uma cabeça quando, em outras épocas, participava das mais divertidas guerras, atacando o outro lado com risadas. Misturávamos as fronteiras. Trocávamos a guarda. Selávamos uniões. Fazíamos acordos para acordar juntos.

Agora, por mais que eu pudesse tentar, não poderia chegar do outro lado. Nunca mais iremos nos encontrar. Não na mesma hora, no mesmo lugar. O outro lado respeita um fuso contrário e não fecha os olhos na mesma hora que eu. Enquanto durmo, me observa não pelo prazer de me ver, mas por cuidado. As risadas ficaram distantes e deram lugar ao som de páginas que folheiam em uma cadeira, misturadas a um som fino que monitora o número de batidas que a saudade impõe ao meu peito.