23 de julho de 2008

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Tinha o hobby de escrever sobre linhas extremamente perigosas. Dissertava longos poemas por trilhos que apitavam com insistência de quem não queria ferir, mas infelizmente não poderia parar. Suas sílabas nem ao menos gaguejavam. Permaneciam imóveis como se estivessem amarradas com cordas fortes, porém eloquentes como se não existissem panos em suas bocas.

Eloquencia sem tremer nem trema. A extensa pauta de seus cadernos era um imenso precipício, um abismo de onde empurrava suas vogais com violência. Era preciso. Elas haviam de aprender a se multiplicarem a partir do eco.

Ao término de cada linha, amarrava anzóis pontiagudos e sadomasoquistas que possuíam a maldade de pescar as hifenizações. O complemento da palavra olhava para a linha de cima com dor, mas seguia forte mesmo tendo que ser lido de forma abrupta. Seus leitores empenhavam-se em suportar a tinta vermelha que pingava sobre o papel branco, transformando em acentos graves o que antes era craseado com uma certa dúvida.

Usava os vocábulos que bem entendia. Não se importava em cansar palavras por conta de seus vícios de linguagem e gírias superficiais. Enquanto algumas eram soletradas diariamente, outras caíam vertiginosamente em desuso. Seu destino era o calabouço das páginas esquecidas do dicionário. A palavra nunca fugia do seu raciocínio e cumpria sua pena até o dia em que o autor picotava as linhas, escrevia algumas letras em espaços pontilhados e condenava vosmicê à forca.

11 de julho de 2008

Paladares


Quando a língua saiu, ela sabia exatamente o que ia fazer. Contou apenas até 1 e atirou-se em direção à outra casa com a intimidade de quem já tinha estado ali inúmeras vezes. Havia estudado aquele ambiente meticulosamente durante anos em simulações de guerrilha no gelo e conseguiria encontrar seu ponto de contato de olhos fechados. A senha foi traduzida em forma de um beijo demorado. Aquele seria o posto de informações para tudo que viria acontecer a partir dali. Seus riscos e acertos dependiam de forma crucial daquele primeiro encontro.

O beijo tornou-se despedida ao menos momentaneamente. Deixou o recinto sem nada dizer e partiu ao encontro da pele, deslizando até sentir o gosto francês da fragrância localizada de forma premeditada. Havia conseguido as pistas até aquele lugar através de feromônios muito bem informados.

Sua presença era sempre uma grande surpresa. Os pêlos levantaram-se todos ao mesmo tempo, mas não ousaram correr. O exército, como um todo, ficou à mercê de um ataque que não exitou em passar simplesmente por cima.

Após alguns momentos de tortura, a íris contou o que língua nenhuma diria de forma tão fácil. Ela estava a poucos centímetros do que seria seu objetivo final ou início de tudo. E sabia, acima de qualquer coisa, que teria que agir com absoluta precisão.