8 de abril de 2010

Seis lados


Ele decidiu fugir no navio. Não havia planejado nada, simplesmente estava em seu habitual andar cabisbaixo quando o som absoluto da buzina da embarcação levantou seu queixo e viu homens que saíram sorrindo e desembarcando caixas gigantes. Foi para casa, arrumou uma mochila e fez como as assistentes de mágico: desapareceu na rua e foi reaparecer dentro do navio, saindo de uma das caixas.

O porão era gelado, mas certamente mais confortável que a vida que levava lá fora. Vendo dessa forma, todas aquelas caixas eram da sua mudança. Ali, seria o rei de um labirinto formado por centenas de objetos empilhados e fechados junto com o segredo do mais novo tripulante.

Segredo que foi quebrado pelo som de um novo número de mágica: de dentro de umas das caixa que estavam logo na frente do porão apareceu sua mulher. Ela se limpou como quem também se livra de um passado e sorriu para ele.

- Você não deveria estar aqui - disse ele.
- Engano seu. Você é que nunca deveria ter saído de lá. Somos apenas um. Eu estou dentro de você.

Ele avançou para cima da mulher e apertou seu pescoço com as mãos, não deixando que o grito saísse do corpo antes da vida. Acompanhou seu rosto perder o ar até não restar mais nada e sentir a solidão novamente como única acompanhante.

O corpo voltou para a caixa de onde havia saído e foi arrastado para o porão da memória. Da barriga materna até o caixão de madeira, a vida inicia e termina em uma caixa. Entre uma e outra, diversas outras caixas de tamanhos e formatos diferentes acompanham a existência. Quando pequeno, abria os presentes que recebia e os deixava de lado para brincar com as caixas coloridas e seus laços de fita. Lembrou que a pessoas moram durante toda uma vida toda dentro de uma caixa chamada casa. Que andam de um lado pro outro dentro de caixas que correm ou voam. Logo também veio à lembrança aquela pequena caixa do anel de noivado que dera à sua mulher. Não. Isso não. Ele não queria nunca mais lembrar disso.

Mas será que agora ele estava seguro? Como poderia ter a certeza de que dentro de todas aquelas outras caixas não estavam seus filhos, mãe, irmãos, amigos ou qualquer um que ele desejava nunca mais ver? Eles poderiam estar todos ali, o cercando, espionando pelas frestas até o momento certo de saírem como aqueles tétricos bonecos-surpresa com molas.

Quando eu vi Tuto pela primeira vez, ele estava sentado no chão de um imenso galpão de uma fábrica de embalagens, suado, ofegante e olhando para baixo com os olhos vidrados. Atrás dele, havia centenas de caixas abertas com seus conteúdos revirados. Desde então, passei a ser terapeuta de um rapaz órfão, que nunca teve nenhum parente ou mesmo foi casado. Todos os cenários, fantasias e personagens que aparentemente ele queria se livrar eram apenas parte dele mesmo, como caixas que saem uma de dentro da outra.

3 comentários:

biamonteiro disse...

Linnndo

Rodolfo Barreto disse...

Obrigado, Bia. Tem mais na caixa. Volte Sempre ;)

Tiago Moralles disse...

Vazias.