
Mulheres combinam com jóias. Desde que os homens deixaram de lado a profissão de pirata, acabaram afundando com suas poucas peças sem brilho. Mas mulheres continuaram belas, flutuando com seus baús e guardando muito bem os seus tesouros.
Era por isso que ela não conseguia achar. A primeira regra de se enterrar um tesouro, é fazer uma marca no chão. Pensando bem, não ia ficar bonito uma linha pontilhada começando na porta de entrada, percorrendo toda casa e indo terminar em um “x” no meio do quarto. Pra ser assim, melhor mesmo nem encontrar o… o que é mesmo que ela procura?
- Cadê!!? Nessa caixa? Não… merda.
Mulheres podem ser ótimas com tesouros, mas elas têm que assumir que são poucas as que entendem de mapas e, digamos, sentido de localização. Portanto, não adianta que você, leitor, torça para que ela encontre. Ela não vai. Nem depois desses pulinhos de promessa pra São Longuinho.
- Achei! Não…
A eterna procura de Ana teve seu início quando ainda cabia em uma arca. Estavam todos os amiguinhos brincando de passa-anel, lado a lado, com as mãos espalmadas e unidas. Enquanto isso, o dono provisório do anel foi passando de um em um, bem devagar, com as mãos na mesma posição eclesiástica, bem suavemente, escolhendo com os olhos quem seria o amigo digno de ser o próximo. O passar das mãos fazia cócegas e provocava um acerto arrepio bom, muito bom... e agora? Cadê o anel?
Estava com Ana. Ela conseguia sentir o frio do metal na palma da sua mão e era difícil ter que esconder o sorriso da vitória. Tinha que ter uma postura de jogador de poker 14 anos antes de saber o que isso significava. Porém, não assumiu jamais que o anel estivera com ela. Fugiu dali com o pequeno objeto escondido. Para os adultos que olhavam de fora, a brincadeira havia acabado sem vencedores. Puro engano.
Em um canto, escondida dos últimos olhares desistentes, Ana olhava seu prêmio. Um anel de plástico, desses que piscavam colorido antes da bateria acabar. Fechou os olhos. Começou a juntar saliva como fazia para tomar remédios sem precisar de água e pronto: engoliu.
Após a garganta denunciar o movimento do anel dentro do seu corpo, um leve sorriso se abriu antes mesmo dos seus olhos. Aquilo era seu complemento. Um objeto que não havia nem começo, nem fim. Exatamente como o seu nome.
A cada anel engolido, seu corpo passava por sensações quase indescritíveis. Em uma só noite, foram 5 de uma vez. Uma overdose. Ao dormir, suas alucinações a levaram até as primeiras olimpíadas de Atenas. Um pódio onde os anéis se transformavam no símbolo olímpico. Podia sentir os louros. Sabia do poder daquela pequena roda. Girava, movimentando um moinho, alimentando um vício que se tornou cada vez maior. Uma roda gigante.
Iniciou-se em pequenos saques. Entrava em lojas e fingia bocejar, levando anéis e mais anéis à boca. Sim, era ridículo. Amigos suspeitavam de cleptomania, mas não comentavam. Preferiam o clichê remasterizado de que vão-se os anéis, ficam-se os amigos.
Ana era a única mulher que não usava um único anel e sempre observava as mãos das rivais. Salivava nas festas de pompa.
- Mas o que você olha, Ana?
- Nada. Gosto do jeito como gesticula. Acho bonito.
Em uma dessas festas, conheceu seu noivo. Ela tinha acabado de sair do banheiro com um rosto de felicidade por ter encontrado um anel esquecido na pia por uma das convidadas. Nada mal. O sabão pode até piorar o sabor, mas escorrega que é uma beleza. Seu semblante e energia momentâneos foram suficientes para encantar o rapaz e hoje completam 5 anos de namoro. Por conta do número redondo, ele a chamou para um jantar especial. Sem problemas. Lindo. Mas cadê esse anel? Ela precisava matar aquela vontade antes que…
Din don!
Din don!
Não é possível. Só podia ser ele. Não, não. Pensou em dizer que estava passando mal. Não, não ia adiantar. Ele ia querer entrar. E agora?
Din don!
Olhou para o espelho, tirou do reflexo uma dose de controle e foi abrir a porta. Ele trazia flores e sentiu todo o nervosismo nos olhos dela. Será que ela desconfiava do que ele havia planejado? Provável. Afinal, foram anos e anos de relacionamento antes desse dia. Do grande dia. Sem também conseguir esconder suas mãos trêmulas no bolso, o rapaz tirou de lá uma pequena caixa, abriu e fez a pergunta que se faz a toda noiva.
- Sim, meu amor, era tudo que eu mais queria nessa vida – respondeu Ana com um beijo apaixonado.
Ilustração feita novamente pela designer Chloe Valente.
www.flickr.com/photos/e_valente/
(a gente pediu bis, né?)